CSF abre diálogo para utilização institucional da Calculadora do Garimpo

Em evento realizado em Lima, autoridades de diferentes países trocaram experiências sobre o uso da ferramenta no combate à mineração ilegal

Autoridades e representantes da sociedade civil peruana participam de painel durante evento, realizado em março de 2023, em Lima, Peru. Foto: Annie Morillo, CSF Peru.

Em 2022, a CSF já havia adaptado a ferramenta ao contexto colombiano e peruano, com o apoio do Programa Paisagens Sustentáveis ​​da Amazônia (ASL), sob a liderança do Banco Mundial e o apoio do Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF). Após a adaptação da metodologia, ainda em 2022, foram realizados outros dois eventos de divulgação da Calculadora a técnicos dos governos destes países, além de representantes da sociedade civil, lideranças locais e indígenas. Nas duas ocasições, os participantes puderam discutir possibilidades de ações conjuntas multissetoriais para enfrentar os impactos ambientais e sociais da mineração ilegal, bem como conhecer as funcionalidades da ferramenta.

O encontro deste ano, voltado a discussões políticas para adoção da Calculadora em ações institucionais de prevenção e combate ao garimpo, contou com a participação de membros do Ministério Público do Brasil e Procuradoria do Peru. Segundo Julio Guzmán, procurador público do Ministério do Meio Ambiente do Peru, o intercâmbio foi importante para que a instituição tomasse conhecimento das possibilidades de uso de ferramentas de valoração econômica de danos socioambientais em processos penais.

Experiência brasileira

A Calculadora de Impactos do Garimpo foi criada em 2021 em parceria com o Ministério Público Federal do Brasil (MPF). O órgão adotou oficialmente a metodologia por meio de seu Parecer Técnico 694/2021 e a vem utilizando em diversos pedidos de indenização, que somam mais de R$ 10,6 bilhões.

Em sua apresentação, o procurador da República Gustavo Alcântara trouxe exemplos de um desses usos – um levantamento feito em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que permitiu aos procuradores constatarem que, da produção de 30,4 toneladas de ouro do estado do Pará, no período de 2019 a 2020, aproximadamente 17,7 toneladas (58,4%) foram extraídas com falsa indicação de origem. Os dados levaram o MPF a identificar que três distribuidoras de valores mobiliários foram as principais compradoras de ouro com origem ilegal provenientes do sudoeste paraense, onde se situam terras indígenas dos povos Munduruku e Kayapó.

“Os problemas de saúde decorrentes do mercúrio afetam não apenas as populações próximas aos garimpos, mas também outras mais distantes. Por isso, além da repressão, é essencial buscarmos a reparação pelos danos causados”, destacou Alcântara. O perito do MPF em Economia, José Jorge Júnior, que participou da idealização da Calculadora e também esteve presente no evento em Lima, explicou que a ferramenta tem conferido mais agilidade e efetividade aos estudos periciais que subsidiam a atuação do MPF nessa busca por reparação financeira por parte de todos atores que participam da cadeia de extração e compra do minério.

Além de representantes do MPF, também participaram do encontro servidores de outras instituições brasileiras que colaboraram na elaboração da ferramenta e a vem utilizando em suas atividades, como a Polícia Federal (PF), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Ana Claudia Vasconcellos, pesquisadora da Fiocruz, falou sobre o contexto político e social da mineração no Brasil. “Dados de 2020 revelam que 93,7% dos garimpos do Brasil estão na Amazônia, 9,3% deles em Terras Indígenas e 40,7% em Unidades de Conservação Ambiental. Ou seja, mais de 50% dos garimpos da Amazônia são ilegais”, explicou, ressaltando a importância de ferramentas que auxiliem os governos no combate à atividade, que aumentou de maneira alarmante nos últimos anos.

Nesse sentido, Fernanda Ronchi, perita da PF, apresentou o projeto "Ouro Alvo", ainda em desenvolvimento, que tem como objetivo mapear os tipos de ouro existentes no país e, assim, identificar se sua procedência é de uma localidade de extração legalizada ou não. Isso vai ajudar a PF a produzir provas incontestáveis da eventual procedência ilegal do minério, mesmo quando a documentação aparentemente se mostrar regular. O projeto se soma a outros esforços da corporação em garantir mais solidez às investigações de combate ao garimpo, como a adoção do uso da Calculadora em seus relatórios técnicos, desde junho de 2022.

Para além de seu uso em processos penais, a coordenadora substituta de Recuperação Ambiental Ambiental do Ibama, Raquel Lacerda, exemplificou a usabilidade da Calculadora de Impactos do Garimpo em esferas administrativas. No Brasil, o órgão é responsável pelo controle da atividade ilegal em áreas federais mediante a aplicação de multas administrativas, atividade em que o Instituto vislumbra a aplicação da Calculadora. Lacerda pontuou que a ferramenta pode ajudar na caracterização de danos ambientais, além de oferecer respaldo para o estabelecimento de soluções compensatórias por danos irreversíveis de forma mais precisa.

Representantes de instituições brasileiras apresentaram a metodologia e casos de uso da Calculadora de Impactos do Garimpo durante o evento. Foto: Annie Morillo, CSF Peru.

Lançamento da versão 2.0

Além de facilitar o diálogo interinstitucional, o evento também lançou a versão 2.0 da Calculadora de Impactos do Garimpo. Criada em 2021, a Calculadora ganhou um novo website, com mais funcionalidades e metodologia revisada.

Nesta nova versão, é possível acrescentar ao cálculo variáveis como a utilização de retorta (tecnologia usada para mitigar o efeito do mercúrio na atmosfera), a potência da bomba (para impactos causados pelo garimpo de balsa), e a correção dos valores com a inflação acumulada para o ano corrente. Além disso, foi realizada uma atualização da metodologia do impacto do mercúrio na saúde das populações locais, relacionando novas referências acadêmicas que tornam o cálculo mais preciso.

A disponibilização do resultado dos cálculos também foi atualizada. Novos gráficos facilitam o entendimento das cifras calculadas e os textos aparecem customizados de acordo com a finalidade da pesquisa, estabelecida pelo usuário.

“Ao longo desses dois anos, desde o lançamento da Calculadora, aperfeiçoamos sua metodologia e a referendamos junto à comunidade científica pela publicação de dois artigos em importantes periódicos internacionais. Essa nova versão, portanto, não representa apenas um avanço na usabilidade do site, mas uma melhoria da ferramenta em termos de credibilidade dos dados”, diz Pedro Gasparinetti, diretor da CSF Brasil.